quinta-feira, 3 de julho de 2008

CRÔNICA DO SAUDOSO WALDECIR

ÁGUAS DO VOADOR II
Por Waldecir Santiago

Aconteceu de novo. Fizemos uma excelente pescaria no último dia seis de junho, lua nova. Foi a nossa quinta saída na “Temporada do Voador”. Cercamos os “escuros de abril e maio”, sem sucesso. Atribuo o fracasso a uma frente intertropical que insistiu em permanecer na nossa área, provocando um “arrasto” das águas costeiras para o oceano no rumo Sul , enquanto o normal seria correr no rumo Noroeste.
O tempo fez de tudo para abortarmos essa pescaria: chuva intensa com rajadas de vento, “mar grosso” e ninguém no mar. As rajadas de vento traziam mau presságio, me fazendo lembrar do pescador Eugênio (porto de Tabatinga), que desapareceu nos escuros de maio, quando seu paquete foi atingido por um Vento de Viração, indo rapidamente para o fundo. Seu companheiro foi resgatado oito horas após o naufrágio. Mas o dia é hoje. Com essa chuva? –Então vamos. E assim fomos os três tarados: eu, Cristiano e David. Saindo da barra, a “Miss Mares” (Mares 30) entrou num liquidificador; o mar batia na proa e nas amuras de boreste e de bombordo. Plexo, fígado e baço, para quem lembra do Eder Jofre – bracinho curto e veloz que minava qualquer adversário. Assim é o nosso mar. A visibilidade era uma abóbada com cem metros de raio, zerando quando entrávamos nos freqüentes lava-jato natural. A chuva intensa e gelada contrastava com a temperatura da água do mar em torno de 29ºC, que, evaporando, realimentava o ar provocando fog e rajadas de vento superficial devido à grande diferença térmica. Beirando os quarenta metros o “caldo-de-cana” foi titulando para algo semelhante à água do mar. Tiritando de frio, fui à popa baixar uma linha (lulinha), já que a velocidade beirava os 8 nós. Tarado é tarado. Descemos o batente (falha de 47 metros para 65 metros), a parede e nada. Seis milhas fora da parede, o mar estava mais “manso” e a visibilidade aumentou para meia milha. De repente, música no ar: carretilha cantando – é uma bela Bicuda. Resolvemos atravessar ali mesmo. Caceia, pinga, engodo e já tinha Voador ferrado na goiçamba. Meia hora depois, bateu o primeiro Dourado na rocega. Atividade intensa no barco. Pescaria superativa. Em meio aos Voadores, na sombra do casco, observamos peixes esverdeados muito velozes, com pouco mais de 30 cm. Isquei um filezinho de Sardinha na pindaúba e segura o tranco! –são Palombetas de Dourado conhecidas na região como Azedinho ou Limãozinho, devido ao sabor forte, rascante de sua carne. Levei um casal para o biólogo Jorge Lins (DOL-UFRN) que junto com o biólogo Garcia, confirmaram tratar-se do Coryphaena Equilesis, primo menor e único do Douradão (Coryphaena Hippurus) . Detalhe: também estão com as gônadas maduras.
Mas o show maior fica por conta dos Voadores. Provocando a desova na piscina (caixa de peixe) formei a primeira “bola de ovas” pouco maior que uma bola de tênis. Esses ovos interligados por finíssimos fios, em contato com o sêmen do macho, formam uma teia elástica e muito resistente. Com um fio de nylon prendi a “bola” ao porta-ovas (porta-meros). É o início do espetáculo! O macho estanca deslumbrado com essa visão. Fecha uma das “asas” e se contorce ao redor das ovas, descarregando seu sêmen, turvando a água ao redor da “bola”. Sua coloração azul-cobalto desvanece para um azul-pálido. As fêmeas invadem a água turvada, posicionam-se de lado e de barriga para cima, depositando mais ovos. O crescimento da “bola” é visível. Com o jereré depositamos uma centena na caixa de peixe. Confinados, a desova é mais intensa. A água torna-se turva, espumada e leitosa. Circulando a água com a mão, formo outra “bola” com mais de dez centímetros, amarro com um nylon e lanço ao mar ao lado da outra. A cena é incrível! Em movimentos frenéticos, as fêmeas depositam seus ovos costurando as duas bolas!. A essa altura, os machos vão à loucura! Por mais de uma vez, observamos os peixes trazendo na boca os fios de ovas que desgarraram da “bola”, inclusive em dupla, como dois pássaros que transportassem um ramo para o ninho.
Estamos derivando há cinco horas. Hora de parar. A Miss Mares é uma ilha cercada de voadores por todos os lados. As escoras do porta-meros, o cabo que prende a poita e até as linhas das rocegas estão impregnadas de ovas. Para garantir a flutuabilidade da grande “bola” de ovas (bem maior que uma bola de basquete), prendo uma tábua e duas bolas de encher. Alguns peixes seguem a “bola”, mas a grande maioria acompanha a lancha. Se tudo correr bem, as ovas chegarão ao “corte d’água” derivando no rumo Norte, ao longo da parede, cercadas agora por uma infinidade de objetos flutuantes. Em aproximadamente 48 horas, esses ovos eclodirão, iniciando nova fase junto com alevinos do seu maior predador, o Dourado, que coincidentemente (?) está desovando nessa mesma época.

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